Na altura, toda a minha experiência de futebol ao vivo resumia-se a dois acontecimentos. A 15 de Junho de 1991, o Brasil vencia a Costa do Marfim no primeiro jogo da fase de grupos do Mundial de sub-20 numa excelente noite de Verão, e a festa da torcida encantou-me durante 90 minutos. Os dados oficiais falam num 2-1 final, embora a minha memória por algum motivo insista num 3-1 para os brasileiros. Um golo anulado talvez? Seja como for, é também a única memória que tenho da minha mãe num estádio de futebol, algo que não estou a ver repetir-se.
Meses mais tarde, Setembro de 1991, a selecção sénior portuguesa recebia a Finlândia em jogo de apuramento para o Euro '92. O calor e a loucura das bancadas do jogo anterior eram desta feita substituídos por uma noite de chuva torrencial que sugou todo o entusiasmo de um jovem que não percebia absolutamente nada de bola e só lá tinha ido para a festa. O único momento parecido com isso foi o golo do César Brito, um simples encosto em cima da linha que nos deu a vitória por 1-0. A memória recorda também um penalty que não faço ideia se existiu. A única coisa em comum nos dois jogos era o local. O maravilhoso Estádio das Antas que, estava longe de saber, se iria tornar local habitual de peregrinação pouco tempo depois.
Era dia de escola, não me consigo lembrar da matéria dada. A professora diz à turma que tem bilhetes para oferecer aos melhores alunos para um jogo de futebol no fim de semana. Fazendo-me valer do estatuto de aluno bem comportado, estatuto esse ganho às custas de boas notas e... bem... bom comportamento, suponho, levantei imediatamente o braço num gesto impulsivo e a professora Isabel não pestanejou. Fui o primeiro a ser confirmado. Porque tinha levantado o braço? Não fazia ideia. Iam ser 90 minutos de gajos a correr atrás de uma bola. Talvez houvesse mais festa. Chegado o meu pai a casa, disse-lhe que tinha pedido bilhetes à professora para ir às Antas. Incrédulo, o meu pai perguntava-me se falava a sério. "A sério, respondi-lhe. São para o Porto contra... [nesta altura tive de olhar novamente para os bilhetes. Contra quem, mesmo?]... o Farense!". O meu pai sempre fora portista da cabeça aos pés, mas ao contrário de muitos que acreditam que o caminho é tornar os filhos sócios do clube antes de nascerem, para ele o caminho era para ser descoberto por nós. O portismo, tal como a religião por exemplo, nunca foi imposto em casa. Nunca houve pressão para dar pontapés na bola nem para me vestir de azul. Sinceramente antes deste dia não tenho qualquer memória futebolística ligada aos dragões. Queria ir ao estádio, queria ouvir pessoas em delírio a gritar "GOLO!"
Dia 25 de Outubro. Uma tarde solarenga de domingo. Sabia que, se não houvesse cantoria nas bancadas, pelo menos não ia ficar ensopado. O impacto da entrada no estádio foi imediato. Atingido logo ali por um raio que me marcou para a vida. O verde do relvado em contraste com as cinzentas bancadas de pedra foi visto pela primeira vez à luz do sol num tempo em que ir ao futebol durante a tarde era o hábito e não a excepção. Nas bancadas, mais gente do que em qualquer dos jogos anteriores. O Farense foi aviado por 3-0. Lembro-me de um golo do Semedo de cabeça como se tivesse sido ontem, mas acima de tudo lembro-me de sentir que pertencia ali, no meio daquela gente que gritava de felicidade quando a bola entrava na baliza e que dirigia as maiores obscenidades ao árbitro quando este tomava uma decisão contra. Assim que cheguei a casa esperei ansiosamente pelo Domingo Desportivo. Não era certamente pela Cecília Carmo, mas sim porque queria rever o que tinha acontecido horas antes. Queria voltar a festejar os golos.
No dia seguinte, na escola, convenci os meus colegas de ninjice a juntar-mo-nos ao grande jogo que sempre ocorria no intervalo da manhã, onde entravam basicamente 80% dos rapazes que estavam a ter aulas àquela hora. Marquei um golo na estreia, parecido com o do César Brito contra a Finlândia. Espectáculo! "Mas ele é do Benfica, pá!" "Não quero saber! Jogou por Portugal.". No final da época de 1992/93 festejámos o título a uma jornada do fim no sempre difícil campo do Beira-Mar, ganhando por 1-0 com golo do Timofte, e aproveitando o empate do Benfica contra o Estoril. O treinador era o brasileiro Carlos Alberto Silva e no plantel estavam gente como Vítor Baía, João Pinto, Fernando Couto, Aloísio, André, Jaime Magalhães, Rui Filipe, Kostadinov, Domingos, Timofte, Semedo, Paulinho Santos... Com os ouvidos colados à rádio gritei de alegria em casa assim que soou o apito final. A seguir fui com o meu pai passear pela Foz, divertir-me com os loucos que buzinavam sem parar e gritavam em plenos pulmões pelo campeão. Estava marcado para a vida.
2 comments:
Bonito!
O meu benfiquismo basicamente começou a existir também em pleno Estádio das Antas - e isto é mesmo verdade - em '91, quando o mesmo César Brito espetou duas batatas ao FCP nos 5 minutos finais, e ganhámos por 0-2 e com isso o título. Lembro-me de estar com o meu irmão e os meus primos em plena arquibancada, e o meu tio chamar-me a atenção para eu não festejar no meio dos azuis-e-brancos. Mas com meros 10 anos, lembro-me de nem sequer ter ouvido piropos...só pensava na alegria que me percorria a alma...
Melhor estádio de sempre.
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